O recurso a
meios tecnológicos como forma de ajudar a impor transparência no futebol está
novamente na ordem do dia. Em Portugal, pelo menos. Parece-me, contudo, que,
com isso, se procura resolver um problema a jusante, quando, afinal, recomendável seria
combatê-lo a montante.
«A FPF pertence ao grupo das federações que concordam com a
introdução das novas tecnologias e queremos que seja testada no Mundial 2018.
Não esperamos que os erros sejam todos evitados, mas que sejam atenuados», defendeu,
na semana passada, o presidente da Federação Portuguesa de Futebol (FPF),
Fernando Gomes, no congresso The Future
of Football, organizado pelo Sporting, em Alvalade.
Muito antes dele, já o comentador televisivo, Rui Santos, tinha conseguido,
até, pôr em marcha uma campanha que aglutinou os ao tempo presidentes da FPF,
Gilberto Madaíl, e da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP), Hermínio
Loureiro, ao lado de amplo leque de individualidades dos mais diferentes
sectores da sociedade portuguesa, que culminou com a entrega de um documento na
Assembleia da República, no dia 5 de Janeiro de 2010. Tratou-se de uma petição on-line, que contou mesmo com o apoio
institucional da Presidência da República, bem como de clubes como o Benfica, o
Sporting e o Sporting de Braga, entre outros.
Também recentemente o subdirector de A BOLA, José Manuel Delgado, se
regozijava, na sua coluna de opinião, com o facto de, como ele escreveu (cito
de cor), Portugal estar entre os países da linha da frente no apoio ao recurso
a meios tecnológicos de suporte aos árbitros de futebol. «A aposta nas novas
tecnologias é um pilar da nossa estratégia. A próxima final da Taça da Liga
será um momento-chave nessa aposta», anunciou o presidente da LPFP, Pedro
Proença, outro dos oradores do referido congresso. «Queremos e teremos uma
final altamente tecnológica», prometeu.
É de acreditar na promessa, mas não é de crer que todas as dúvidas
que atormentam muita gente fiquem dissipadas. Desde logo, porque os meios
tecnológicos não actuam sozinhos. São manipulados por mãos e olhos de humanos.
Depois, quem assegura a igualdade de tratamento para todas as equipas em
estádios cuja configuração é tão diferente? Com quantas câmaras e em que
localização? O do Sporting de Braga com apenas duas bancadas laterais ou o do
Benfica e do Sporting, praticamente fechados, ou aqueles com apenas uma
bancada, cuja cobertura, em alguns casos, nem sequer é da extensão da própria
tribuna.
Acresce a tudo isto uma questão financeira e que não é de somenos.
Imagine-se só em quanto poderá orçar a instalação de tais equipamentos em 32
estádios no actual quadro competitivo profissional nacional (18 da I Liga e 24
da II) ou mesmo que ele venha, posteriormente, a ser reduzido! Ou será que os
meios tecnológicos auxiliares da arbitragem se destinariam aos jogos em que
intervêm os chamados três grandes ou apenas a alguns?
Os números apresentados por Pedro Proença, em Outubro de 2014,
quando ainda no activo, já defendia o apoio de meio tecnológicos como uma
inevitabilidade, são elucidativos. «Mais cedo ou mais tarde, vamos ter de aceitar
que o futebol é escrutinado pelos meios tecnológicos. Não conseguimos vencer
contra 15 ou 16 câmaras. Os meios tecnológicos são muito bem-vindos e os
árbitros recebem-nos de abraços abertos, porque querem errar o menos possível»,
disse, então, o antigo árbitro internacional, na sessão de abertura oficial do
XIII Encontro Nacional do Árbitro Jovem, na Batalha. Porém, mesmo quando tantas
câmaras são utilizadas, é frequente ver-se em programas de televisão que nem todos
os intervenientes conseguem chegar a uma conclusão unânime, confirmando ou
contrariando a decisão do juiz da partida.
O futebol deve muito à televisão. Sem ela,
jamais teria alcançado o estatuto de único fenómeno verdadeiro globalizado,
como defende, e bem, Pascal Boniface, no seu livro O Mundo é Redondo Como Uma Bola. Contudo, no nosso País, continua a
haver programas desportivos que vão contribuindo muito mais para o clima de
suspeição reinante no futebol nacional do que para o esclarecimento de dúvidas
em relação às decisões dos árbitros ou até dos erros que eles possam ter
cometido. E, como se isso não bastasse, os casos em análises dizem, por norma,
apenas respeito aos jogos em que intervêm as equipas do FC Porto, do Benfica e
do Sporting, como se as outras equipas não contassem para o… campeonato.
Além disso, como se isto não bastasse ou, mais
grave, de tanto serem «dissecadas» as decisões dos árbitros, como recurso às
imagens televisivas, que eles tiveram de tomar em fracções de segundos, o que
sai desses programas é a ideia de que eles são gente mal-intencionada e origem
de todos os males do futebol nacional. Há ideias que mil vezes repetidas acabam
por se tornar verdades absolutas. E, claro, não espanta que se enraíze em muita
gente a ideia de que o árbitro é mal maior.
Ora, como nada me convence que esses programas
vão deixar de existir, pelo menos enquanto tiverem audiências – são as leis do
mercado, dizem – cada vez mais me convenço também de que, enquanto nada for
feito a montante do problema, ele nunca será resolvido, por mais meios
tecnológicos que sejam ou possam vir a ser utilizados no apoio ao árbitro. O
grande investimento, a meu ver, deve ser feito na educação cívica, na cultura
desportiva, tarefa que deveria ser assumida sem tibiezas, em primeiro lugar
pela Liga, mas também pela Federação, ou não fossem ambas entidades de
utilidade pública. As competições estão prestes a chegar ao fim, mas ainda há
tempo para reflectir e tomar decisões, antes do início da próxima época.
Até lá, vou continuando a pensar o mesmo que
disse, no passado dia 23, o antigo e prestigiado árbitro internacional
italiano, Luigi Agnolin, ao jornal O Jogo.
Novas tecnologias «só a do golo e ‘não golo’». O resto, como ele acentua «é
jogo». E hoje, sabe-se, que uma bola com um simples chip indica logo, com um sinal luminoso ou sonoro, se foi golo, ou
não. Além disso, como lembrou, em bem, Agnolin, «quando se pede para que um
árbitro não apite mais, é só para criar barulho […] O dirigente pensa sempre
que o erro é de outra pessoa». O dirigente e não só. É que, como ele também
lembrou, «se um jogador atira a bola para fora a dois metros da baliza e é
desculpado, da mesma maneira se deve analisar os erros dos árbitros». Ou será
melhor descobrir apoio tecnológico para colocar na biqueira das chuteiras ou
nas luvas dos guarda-redes como o que já existe em bombas e mísseis e que
permitem manipulá-los com precisão até ao alvo?
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