sexta-feira, 20 de junho de 2014

Acerca do protestos no Mundial do Brasil

À organização dos Jogos Olímpicos concorrem os comités nacionais e eles são atribuídos a uma cidade; aos campeonatos continentais de futebol e do mundo candidatam-se as federações filiadas nas organizações do respectivo continente e na FIFA e são atribuídos por norma a um país ou pelo menos eram. Já se realizaram europeus na Holanda e na Bélgica, na Suíça e na Áustria, na Polónia e na Ucrânia e também um Mundial no Japão e na Coreia do Sul.

Em qualquer dos casos, comités olímpicos e federações precisam do apoio dos repectivos Estados e, hoje mais do que nunca, até são quase sempre eles que incentivam as candidaturas. Veja-se o Catar, minúsculo Estado do Golfo com 1 milhões e 950 mil habitantes que tem ambição de potência na região, graças à sua riqueza em gás natural: a terceira reserva mundial, depois da Rússia e do Irão. Uma riqueza que lhe permite assegurar o bem-estar da sua população durante séculos, bem como os investimentos que vem fazendo, dentro e fora do país, em todos os sectores, incluindo a Saúde, a Educação e o Desporto, mas também numa poderosa máquina de propaganda. É lá que está instalada a cadeia mundial de televisão Al Jazira. De facto, que mais poderia querer este Estado para se mostrar ao mundo do que organizar um Campeonato do Mundo de Futebol?

O desporto assume, hoje, papel de destaque cada vez maior nas sociedades modernas e, na viragem do século, transformou-se mesmo em entretenimento por excelência, tendo o futebol alcançado o expoente máximo de popularidade, bem como de projecção e força mediáticas. Impressionante é, sem dúvida, a disseminação do futebol no mundo. De 1904, ano da fundação da FIFA (organização dirigente do futebol internacional), o número de federações nela filiadas passou das sete fundadoras (Bélgica, Dinamarca, França, Holanda, Espanha, Suécia e Suíça) para 207, em 2005, isto é, mais 16 do que os membros da Organização das Nações Unidas (ONU): 191. O Comité Olímpico Internacional tem 203 membros.

O sol nunca se põe no reino do futebol. O seu território é actualmente mais vasto do que império dominado pela super-potência americana e é menos abertamente contestado por aqueles sobre os quais recai o seu domínio, sustenta o director do Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas (IRIS), de Paris, e antigo conselheiro de Koffi Annan, enquanto secretário-geral da ONU, Pascal Boniface, para quem o futebol é um dos raros fenómenos da mundialização que escapa à dominação americana.

Se o minúsculo Estado Catar ousou candidatar-se, por que não poderia tê-lo feito também o imenso Brasil, um dos Estados emergentes? Fê-lo e ganhou a candidatura, como vencera também a candidatura à organização dos Jogos Olímpicos de 2018, no Rio de Janeiro. Contudo, tanto o Catar como o Brasil têm estado debaixo de forte fogo da crítica. Num e noutro casos, por causa de suspeitas de corupção. O Catar, por causa das suspeitas sobre o modo como foi obtida a vitória na candidatura, mas também pelas suspeitas e acusações de exploração de mão-de-obra e enormes deficiências na protecção e segurança no trabalho, que já originou milhares de perdas de vidas humanas, enquanto no Brasil a construção dos estádios e de outras infra-estrutiuras também não escaparam à suspeita e à acusação de corrupção.

Mas se o Emir do Catar, Hamad bin Khalifa al-Thani tem conseguido conter o mínimo sinal de protesto, já no Brasil as manifestações de protesto de uma população que reivindica melhores condições de vida e de trabalho têm estado na ordem do dia, mesmo antes da inauguração do grande acontecimento desportivo. Desde logo, devido a uma grande diferença: o Brasil é uma democracia que reconhece o direito de manifestação, enquanto o Catar mais parece um regime governado pelo emir e seus colaboradores mais próximos, como se fosse um conselho de administração.

E porque o direito de manifestação existe no Brasil, a presidente, Dilma Rousseff e a força política que a levou ao poder, o Partido Trabalhista (PT) têm sido particularmente visados nos protestos. Mas nem sempre com inteira razão, a avaliar pelo que escreveu, recentemente, o cantor Chico Buarque de Holanda:

«A VERDADE é que antes do PT chegar ao poder teve uma turma que ficou 500 anos mandando aqui no Brasil e esse país se tornou um paíseco de 5.º mundo. Entramos na década de 80 ainda sendo uma república das bananas, governados por ridículos generais sem voto, ditadores golpistas assassinos e ignorantes, que “preferiam cheiro de cavalo a cheiro de povo“. Aí finalmente vem um partido que faz o Brasil avançar, tira nossa coleira dos USA, da um pé no traseiro do FMI, alça o país a 6.ª economia do mundo fazendo o PIB saltar de 1 para mais de 2,4 trilhões em uma década, tira 50 milhões de brasileiros da pobreza, cria uma nova classe média de mais de 100 milhões com emprego, renda, carteira assinada e conta no banco... Enfim, avanços EXTRAORDINÁRIOS em uma década ! Mas a mídia, conservadora e recalcada, sabota e cria um clima de que estamos "a beira do abismo". E tem gente que vai na onda e não lembra do nosso passado medíocre...»

Mas há sempre quem não queira ver obra feita por um homem que, tendo sido operário metalúrgico, Lula da Silva, chegou a Presidente da República. E contra esse e a mulher que lhe sucedeu no cargo protestam uma burguesia endinheirada e um certo tipo de intelectuais pequeno-burgueses, como se viu na cerimónia de abertura do Mundial – o povão nunca seria convidado para a tribuna de honra e muito menos dinheiro para comprar bilhete para lugar próximo.

Os outros – trabalhadores, classe média, jovens universitários, etc, – protestam na rua. Infelizmente, tem havido também casos de desrespeito pela liberdade dos outros, acompanhados de actos de puro de vandalismo, que a polícia e as forças de segurança podem e devem reprimir. Porém, se é legítimo a Estado recorrer a um grande acontecimento desportivo para concentrar sobre ele as atenções do mundo, legítimo é também o povo fazer uso desse mesmo acontecimento para dar a conhecer igualmente ao mundo o protesto e a indignação.

Vem aí o futuro!

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