O
Campeonato do Mundo de futebol começa, amanhã, em Doha, capital do Catar. Neste
torneio, o mais mediático de todas as grandes competições desportivas deste ano,
participam as selecções nacionais de 32 Estados. Porém, nenhum tão pequeno como
o minúsculo emirado do Golfo, que quer ser gigante a qualquer preço e até à
custa da violação de direitos humanos. O Catar tem estado, por isso mesmo, a
ser alvo de críticas. Justificadas, diga-se, por mais que o presidente da FIFA
venha agora tentar rebatê-las com argumentos que não eliminam as evidências.
Seja
como for, quando a bola começar a rolar, no Estádio Lusail, em Doha, no jogo
inaugural (Catar-Equador), o ritmo e o tom das críticas vai baixar seguramente,
como tem acontecido ao longo da história. Mas isto não significa que o Mundial
não possa nem deva ser aproveitado em prol de boas causas como o combate ao
racismo e à xenofobia, a defesa dos direitos laborais, entre outras, em prol da
tolerância, do entendimento entre os povos e da paz. Em resumo, em defesa dos
direitos humanos.
Os
palcos estão abertos ao mundo, a milhões e milhões de pessoas em todo o
planeta. Queiram e possam público e jornalistas aproveitá-los. Não faltam exemplos demonstrando que os estádios foram, têm sido e podem
continuar a ser palcos de manifestações de contestação a poderes estabelecidos
ou de reivindicações de todo o tipo.
Recorde-se,
a final da Taça de Portugal de 1969, no Estádio Nacional, entre Benfica e
Académica, em que a equipa de Coimbra jogou de faixa branca no braço como sinal
de luto e protesto contra a repressão policial que se abatera sobre a academia.
Neste caso, a política impôs mesmo o seu poder, ao impedir que uma das estrelas
da equipa academista, Artur Jorge, que estava a fazer a tropa em Mafra, fosse
dispensado para poder participar nesse jogo. Motivo: o regime considerava-o o
cabecilha do protesto.
Em
Espanha, durante o regime franquista, o Barcelona, para os catalães, ou o
Atlhetic Club Bilbao, para os bascos, representavam o mesmo tipo de afirmação ante
o Real Madrid, o clube de Franco e de Espanha. Podia-se falar basco ou catalão
nos estádios, o que não era possível noutros lugares públicos. Os dois clubes
eram símbolos da resistência, simultaneamente étnica e política, à tirania.
Veja-se
o caso da Argentina, cuja ditadura militar organizou o Campeonato do Mundo de
1878, seguramente com o objectivo de que o mundo a reconhecesse. A história já
tinha mostrado que a participação com êxito ou a organização de grandes eventos
desportivos como Jogos Olímpicos ou campeonatos do Mundo permitiram por essa
via a legitimação de regimes ditatoriais e autoritários. Entre os piores
exemplos estão o Mundial de 1934, na Itália do ditador fascista, Betino
Mussolini, e os Jogos Olímpicos de 1936, em Berlim, quando à frente da Alemanha
já estava o líder nazi, Adolf Hitler.
Na
Argentina, porém, aconteceu precisamente o contrário. Nunca de modo tão intenso
foi a ditadura militar tão duramente criticada. Os estádios transformaram-se
durante a competição nas maiores concentrações populares, uniu o povo argentino
em torno da sua selecção, de tal modo que o seleccionador nacional, Luís César
Menotti, e vários futebolistas dedicaram a vitória ao povo e não ao país ou ao
regime e, além disso, a imprensa internacional acabou ser veículo de denúncia
das atrocidades cometidas pelos militares. Nas bancadas dos estádios, ouviu-se
com frequência a multidão a gritar: se va acabar, se va acabar, la dictadura
militar!
«O
desporto é uma linguagem universal e, no melhor das suas capacidades, há nele
um poder agregador, unindo as pessoas, quaisquer que sejam a sua origem, meio
social, convicções políticas, crenças religiosas ou a sua situação económica».
A frase é do antigo secretário-geral das Nações Unidas, Kofi Annan, e foi
proferida na cerimónia de lançamento do Ano Internacional do Desporto e da
Educação Física, em 2005.
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