terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Este sindicato vale a pena! E a Lista A também!


Ando nisto – actividade sindical – há muitos anos: desde 1993, quando fui eleito pela primeira vez para a Direcção. Com o Alfredo Maia, precisamente, numa lista presidida pelo António Matos.

Seriam mais de 20 anos, se não tivesse ficado de fora durante um mandato, por opção própria, tal como agora. Manifestei, contudo, desejo de poder integrar a lista para o Conselho Deontológico, e lá estou, disposto a dar o melhor que posso e sei, tal como fiz nos cargos anteriores que desempenhei na Direcção — vice-presidente, tesoureiro, vogal — e organizações internacionais como a extinta a Organização Internacional dos Jornalistas (OIJ, vice-presidente) e a Federação Europeia de Jornalistas (FEJ, membro do Comité Director).

Vamos agora a votos no dia 18 para a eleição de novos Corpos Sociais para o SJ e, desde então, esta é a primeira vez que duas listas concorrem a todos os órgãos, o que saúdo e gostaria de interpretar como sinal de empenhamento de cada vez mais associados.

Gostaria, porém, neste contexto, de lembrar que, se alguns de nós se mantiveram tantos anos na Direcção do SJ não foi por apego aos cargos e muito menos por pensarem que deles advêm quaisquer tipos de benefícios ou vantagens. Pelo contrário, sabêmo-lo por experiência própria. Ficamos, acima de tudo, porque consideramos que renovação não significa deitar fora a experiência adquirida e porque achamos importante passar o testemunho sem rupturas. Uma tarefa bem difícil quando a apatia, o desinteresse, e mesmo o medo afastam do sindicato muitos dos que lhe poderiam dar nova vida. E fácil seria dizer: chegou ao fim o nosso mandato, vamos embora! E deixar o sindicato em autogestão... Felizmente, podemos confiar nos funcionários do SJ. Mas ficamos! E importa que se saiba.

Sei bem que nem sempre concretizámos todos os propósitos enunciados e admito também que podemos nem sempre ter conseguido agradar a todos. Não estamos isentos de críticas nem somos imunes à crítica. Mas sei também que nunca faltámos à única promessa que fazemos: trabalho e empenhamento. Tenho a certeza de que todos nós encarámos os associados de frente e não nos esquivamos à responsabilidade. Mas sei também – como costumo dizer, que, se somos 40, vinte vêm às reuniões e dez nunca falham no trabalho, já fico contente. Tem sido esta a realidade, dita assim, de forma aparentemente simplista, mas verdadeira.

Qualquer Direcção do SJ nunca fez nem fará tudo sozinha. A força dos sindicato é, acima de tudo, a força dos seus associados e é ela que há-de sempre tornar as direcções mais fortes ou mais fracas.

Claro que o meu apelo é ao voto na Lista A. Pela experiência e saber acumulados adquiridos pelos elementos que transitam, mas também pela a energia renovada e as novas ideias daqueles que estão agora a chegar à actividade sindical. A existência de outra lista só nos pode obrigar a fazer mais e melhor, cientes de que, entre propósitos e metas vai sempre, antes de mais, a força da vontade.

Este sindicato vale a pena! E a Lista A também!
Martins Morim, jornalista em A BOLA, candidato na lista ao Conselho deontológico


sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Risco de incêndio

À segunda, chegou ao poder e, lá chegado, tem tido como preocupação, dizer que lá está. Parece, até, que precisa disso e, sempre que pode, aproveita a presença de representantes dos órgãos de informação para passar as mensagens que entende como necessárias para o efeito. Uma vezes recorre ao insulto, noutras à insinuação e noutras ainda à provocação. Ao mesmo tempo, vai dizendo que pugna pela transparência e pelo ‘fair-play’. Acontece, porém, que, ao contrário dos apelos ao respeito pela diferença e á tolerância, a linguagem  incendiária parece agradar mais aos ‘media’ e torna-se, por isso mesmo, perigosa. Desde logo, porque ateia e alimenta centelhas. E um mundo como o do futebol vive de emoções e de sentimentos nem sempre regidos pela racionalidade. O risco de incêndio é, portanto, alto e pode, até, não ser extinto em tempo útil ou a tempo de evitar... estragos.

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

A propósito da decapitação de James Foley

O grupo Estado Islâmico (EI) recorreu às redes sociais para divulgar a decapitação do jornalista dos Estados Unidos, James Foley. Um acto criminoso, horrendo, primário e seu lá que mais. Inqualificável... Que outros adjectivos podem sem aplicados? Tantos!

Houve órgãos de informação em todo o mundo que publicaram fotos e/ou frames do vídeo. Outros ficaram-se pela fotos, muitos deles aquela onde ele aparece de veste cor de laranja e cabelo rapado, tendo por trás um militante do EI, que o agarra com a mão direita e ostenta a faca na esquerda, dirigindo-se ao presidente dos EUA, Barack Obama, antes de executar uma vítima inocente, a quem a veste cor de laranja e o cabelo rapado lhe retiram até o direito à auto-estima e à dignidade.

Vi a foto, mas recuso-me a ver o vídeo, este e outros que têm sido divulgados nas redes sociais, em operações de macabra propaganda de grupos terroristas e de gente sem pingo de escrúpulo, para quem a vida humana nada vale.

... E questiono-me se devem os órgãos de informação divulgar tais imagens (fotografias e/ou vídeos?). Entendo que não, mas estou seguro de que não falta quem pense o contrário. E defenda, até, que não divulgá-las cai no campo da censura.

O Twitter fez saber que tem eliminado essas fotos/vídeos, bem como todos aqueles que recorrem a esta rede social para divulgá-las, mas, mesmo assim, o que este caso revela, tal como outros anteriores, e os que virão é prova que a ausência de filtros tudo permite nelas. Incluindo, claro, o que há de mais brutal, inqualificável e condenável.

Tenho, para mim, que os media que divulgam tais imagens, divorciando-se do respeito pela ética social, tal como o jornalistas do respeito pela deontologia da profissão, passam a ser co-responsáveis pela banalização da violência, do crime e do terrorismo. E, contudo, é também legítimo admitir que, se cidadãos e órgãos de informação impusessem a eles próprios limitações à liberdade de informação, isso significaria também uma vitória para os terroristas.

Mesmo assim, e reconhecendo embora que a guerra tem outras imagens violentas – porque a guerra é violência – continuo a pensar que, em casos como este, sejam as vítimas cidadãos dos Estados Unidos ou da Síria, de Israel ou da Palestina, portugueses ou chineses, jornalistas ou religiosos, voluntários de causas humanitárias ou homens de negócios, é urgente e imperioso que os jornalistas e os media não se deixem levar pela vertigem da comunicação e pensem sempre na informação jornalística, que não são necessariamente a mesma coisa. Desde logo, porque o que importa é fazer com que fique na memória de todos o trabalho de James Foley, neste caso, como de outros antes dele e dos que, infelizmente, lhe sucederão, e não os criminosos actos de terroristas.

Uma sociedade mal-formada será sempre pouco exigente com a informação jornalística, se é que não a despreza mesmo. E divulgar fotos e vídeos como estes não vai melhorar a consciência do cidadão nem a sociedade. Desde logo, porque também não é com recurso às armas que poderá ser posto fim a este terrorismo informativo.

terça-feira, 19 de agosto de 2014

Maturidade

Estou a acabar de ler o livro Somos o Esquecimento que Seremos, do colombiano Héctor Abad Facioline, e um excerto que reproduz de outro livro (Cartas desde Asia, escrito pelo pai dele, médico e professor universitário assassinado pelos paramilitares em 1987), ficou a martelar-me na cabeça. O que ele escreveu, então, referindo-se ao ensino, tem, a meu ver, aplicação em quase tudo na vida.

«Que enorme quantidade de erros cometemos todos os que, como eu, pretendemos ensinar sem ter alcançado ainda a maturidade do espírito e a tranquilidade de juízo que as experiências e os maiores conhecimentos nos vão dando no fim da vida. O mero conhecimento não é sabedoria. A sabedoria sozinha também não basta. É necessário ter-se conhecimento, sabedoria e bondade para ensinar outros homens. O que temos de fazer, aqueles que alguma vez fomos mestres sem primeiro sermos sábios, é pedir humildemente perdão aos nossos discípulos pelo mal que lhe fizemos».

Lendo isto, de imediato pensei nas mulheres e homens que estão no governo, mas também penso na realidade da profissão de jornalista e do ambiente em muitas redacções. Até porque esta reflexão é associada pelo autor ao despedimento do pai, a dois anos da idade da reforma, só porque era incómodo, sobretudo perante a injustiça e a incompetência.

Diz o filho, o autor do livro:
«E agora, precisamente quando sentia que estava a atingir essa etapa da sua vida, quando já a vaidade não o influenciava nem as ambições tinham demasiado peso e se guiava menos pela paixão e pelos sentimentos e mais por uma racionalidade construída com muitas dificuldades, mandavam-no para a rua.»

Que paralelismo arrepiante com a realidade neoliberal dos nossos dias.


sábado, 5 de julho de 2014

A incrível força do futebol a unir a Bélgica

Em francês é «Belgique», em flamengo, «België». Os flamengos são pouco mais de dois milhões de uma população de cerca de 10 milhões e meio de habitantes. Há cerca de um mês, a população flamenga disse em referendo que não se importa de ver o reino dividido. Duas línguas, duas realidades distintas, uma ameaça real. O norte fala flamengo e entende que não tem nada a ver com o sul, que fala francês.


Lidar com este problema não é fácil. Requer perícia diplomática e, claro, domínio de dois idiomas. Que o diga o primeiro-ministro, Elio di Rupo. A solução parece estar no futebol, pelo menos até agora, e «Belgium» parece ser a palavra-chave, a que se vê em cachecóis e camisolas dos fãs.


Se há algo que, desde o passado dia 12 de Junho une flamengos e valões é, sem dúvida, uma linguagem diferente daquelas, a linguagem do futebol, e tanto vale gritar Diabos Vermelhos em francês, (Diables Rouges) como em flamengo (Rode Duivels), que o entusiasmo é o mesmo entre valões e flamengos.


Curiosamente, quem para isso tem contribuído e até de forma determinante são, entre outros, dois jogadores, cujas funções em campo visam dar força e unidade ao futebol da seleção belga: Axel Witsel e Marouane Fellaini, o primeiro com ascendência na Martinica e o segundo em Marrocos. Aliás, o african look de ambos mostra bem que de belgas puros não se pode falar, se é que eles existem.


Mas, com mais ou menos pureza, ei-los puxando por uma seleção que tem conseguido o que a política não alcança: unir os belgas. Até quando?

quarta-feira, 25 de junho de 2014

Mundial de Futebol: A força da «continentalidade» e do sentimento de pertença

A participação da selecção portuguesas no Mundial de futebol está a ser escrutinada pelos órgão de informação e ainda bem. Desde logo, e não sei se todos estão a pensar nisso, também porque a Federação Portuguesa de Futebol é uma instituição com estatuto de Utilidade Pública reconhecido.

Custa-me, contudo, agora que o saldo dos dois primeiros jogos é francamente negativo, tanto em termos de resultados como no plano exibicional, ver que algumas das facas mais afiadas apontadas a Paulo Bento e ao staff da FPF estejam a ser esgrimidas por quem, antes do pontapé de saída, não ousou alertar precisamente para os males que agora enumera: má escolha do local para estágio/concentração; falta de cuidado na preparação, tendo em conta as condições e temperatura e humidade nos locais dos jogos; sobrecarga de jogos; atitude pouco séria dos jogadores, se ludibriaram o seleccionador quanto a lesões e probabilidades de recidiva, etc, etc...

Gostaria, porém, de apontar outros motivos que poderão ter conduzido a selecção à situação em que se encontra, de desencanto e desespero. Os comportamento de Pepe e de João Pereira, logo no primeiro jogo, sugerem-me antes falta de preparação psicológica para superar a pressão de um jogo inaugural, sabendo, como se sabe, que ele é por demais importante num torneio deste tipo, com uma fase de grupos destinada a apurar as equipas que disputarão, a seguir, os jogos a eliminar até ao da final. Um e outro caíram que nem patinhos nas esparrelas criadas pelo adversário. Tanto assim que já vi na televisão alemã ser reconhecida, e até condenada, a atitude de Thomas Müller, por ter simulado algo de grave, ludibriando o árbitro; e vi também ser reconhecido que, não tivesse sido o penalty (discutível) e a expulsão de Pepe, certamente, estaria agora a Nationalmannschaft e os seus responsáveis sob o fogo da crítica.

O que por lá se tem dito é que a Alemanha teria, mesmo assim, muito provavelmente, ganho o jogo, mas não por goleada. E isto faz alguma diferença. O derrotado deixou o campo vergado ao pesso de expressiva derrota, mas, curiosamente, o vencedor não foi capaz de se empolgar perante uma afoita selecção dos Estados Unidos. Pelo contrário, acabou até por ceder um empate e revelar também jogadores com sinais de fadiga.

Acredito que a escolha dos locais de estágio e de concentração poderiam/deveriam ter sido alvo de observação e ponderação mais cuidada, que Paulo Bento «encarregou-se de dar sinais errados aos jogadores na fase de qualificação e na convocatória», como escreveu Pedro Adão e Silva, na edição de terça-feira de Record, salientando: «a preservação do grupo como ideia de força do selecionador redundou num conservadorismo desprovido de sentido» e acredito também que pode ter havido jogadores que deram igualmente sinais errados ao seleccionador quanto ao seu estado de forma e de saúde física.

Contudo, já duvido do argumento de excesso de jogos dos futebolistas europeus como justificação para actuações menos bem conseguidas, sobretudo por falta de frescura física. Atente-se em algumas equipas latino-americanas e veja-se quantos dos seus jogadores jogam também em clubes europeus, dos quais um número significativo em equipas de topo e que disputam as competições da UEFA até fase bem próximas das finais da Liga dos Campeões e da Liga Europa.

Não duvido, pelo menos inteiramente, nem subestimo o peso dos argumentos que têm sido invocados para justificar as fracas exibições da selecção portuguesas e de outras congéneres europeias, mas, face às exibições e ao rendimentos de algumas exibições latino-americanas – desde logo, da Costa Rica, mas também do Equador e do Uruguai – sou levado a acreditar na força daquilo a que Vitor Santos apelidava de «continentalidade», incluindo aí ambiente, apoio do público, fusos horários, etc, e a que eu junto algo mais: o sentimento de pertença e o orgulho nacional, que o futebol exponencia como poucos outros fenómenos. O desejo de afirmação ante os olhares do mundo tem levado algumas destas equipa a superar medos e preconceitos e a aprendizagem feitas por muitos dos seus melhores jogadores em equipas europeias, sobretudo em domínios como disciplina táctica e princípios de jogo, tem contribuído decisivamente para melhores perfomances exibicionais e de resultados. Será que as selecções nacionais das velhas nações europeias estão, também, a revelar um certo estado de acomodamento e ou de frustração e resignação que por aqui se vive antes sociedades que evidenciam cada vez mais dinamismo e a já referida vontade de afirmação.

... Ora precisamente esse desejo tem estado bem patente numa certa forma agressiva de jogar, na hora de desarmar o adversário e no momento de partir para o ataque ou de desencadear um contra-ataque. E eu pergunto: não estaremos perante um novo estilo? E não voltará o modelo táctico de três centrais e dois laterais bem ofensivos a estar na ordem do dia? Se a Dinamarca beneficiou em 1992 do facto de a esmagadora maioria dos futebolistas que integravam a sua selecção de então jogar no estrangeiro e sagrou-se campeão da Europa, contrariando expectativas e previsões, por que motivo não há-de o novo campeão do Mundo voltar a ser latino-americano? E até pode nem ser o Brasil, cuja selecção também ainda não convenceu. Mas, pelo que já se viu até agora, Holanda, França e Alemanha também entram nesta lista.

Fora delas, porém, mesmo que, dentro de algumas horas vença o Gana por margem que lhe permita passar aos oitavos-de-final, está, a meu ver, a selecção portuguesa. Como disse Cristiano Ronaldo, após o jogo com os Estados Unidos, não é uma equipa de topo. Só é pena, porém, não ter dito isso, antes da partida com a Alemanha, quando até sugeriu que este poderia ser o Mundial de Portugal. Não foi nem vai ser.
Oxalá eu me engane.

sexta-feira, 20 de junho de 2014

Acerca do protestos no Mundial do Brasil

À organização dos Jogos Olímpicos concorrem os comités nacionais e eles são atribuídos a uma cidade; aos campeonatos continentais de futebol e do mundo candidatam-se as federações filiadas nas organizações do respectivo continente e na FIFA e são atribuídos por norma a um país ou pelo menos eram. Já se realizaram europeus na Holanda e na Bélgica, na Suíça e na Áustria, na Polónia e na Ucrânia e também um Mundial no Japão e na Coreia do Sul.

Em qualquer dos casos, comités olímpicos e federações precisam do apoio dos repectivos Estados e, hoje mais do que nunca, até são quase sempre eles que incentivam as candidaturas. Veja-se o Catar, minúsculo Estado do Golfo com 1 milhões e 950 mil habitantes que tem ambição de potência na região, graças à sua riqueza em gás natural: a terceira reserva mundial, depois da Rússia e do Irão. Uma riqueza que lhe permite assegurar o bem-estar da sua população durante séculos, bem como os investimentos que vem fazendo, dentro e fora do país, em todos os sectores, incluindo a Saúde, a Educação e o Desporto, mas também numa poderosa máquina de propaganda. É lá que está instalada a cadeia mundial de televisão Al Jazira. De facto, que mais poderia querer este Estado para se mostrar ao mundo do que organizar um Campeonato do Mundo de Futebol?

O desporto assume, hoje, papel de destaque cada vez maior nas sociedades modernas e, na viragem do século, transformou-se mesmo em entretenimento por excelência, tendo o futebol alcançado o expoente máximo de popularidade, bem como de projecção e força mediáticas. Impressionante é, sem dúvida, a disseminação do futebol no mundo. De 1904, ano da fundação da FIFA (organização dirigente do futebol internacional), o número de federações nela filiadas passou das sete fundadoras (Bélgica, Dinamarca, França, Holanda, Espanha, Suécia e Suíça) para 207, em 2005, isto é, mais 16 do que os membros da Organização das Nações Unidas (ONU): 191. O Comité Olímpico Internacional tem 203 membros.

O sol nunca se põe no reino do futebol. O seu território é actualmente mais vasto do que império dominado pela super-potência americana e é menos abertamente contestado por aqueles sobre os quais recai o seu domínio, sustenta o director do Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas (IRIS), de Paris, e antigo conselheiro de Koffi Annan, enquanto secretário-geral da ONU, Pascal Boniface, para quem o futebol é um dos raros fenómenos da mundialização que escapa à dominação americana.

Se o minúsculo Estado Catar ousou candidatar-se, por que não poderia tê-lo feito também o imenso Brasil, um dos Estados emergentes? Fê-lo e ganhou a candidatura, como vencera também a candidatura à organização dos Jogos Olímpicos de 2018, no Rio de Janeiro. Contudo, tanto o Catar como o Brasil têm estado debaixo de forte fogo da crítica. Num e noutro casos, por causa de suspeitas de corupção. O Catar, por causa das suspeitas sobre o modo como foi obtida a vitória na candidatura, mas também pelas suspeitas e acusações de exploração de mão-de-obra e enormes deficiências na protecção e segurança no trabalho, que já originou milhares de perdas de vidas humanas, enquanto no Brasil a construção dos estádios e de outras infra-estrutiuras também não escaparam à suspeita e à acusação de corrupção.

Mas se o Emir do Catar, Hamad bin Khalifa al-Thani tem conseguido conter o mínimo sinal de protesto, já no Brasil as manifestações de protesto de uma população que reivindica melhores condições de vida e de trabalho têm estado na ordem do dia, mesmo antes da inauguração do grande acontecimento desportivo. Desde logo, devido a uma grande diferença: o Brasil é uma democracia que reconhece o direito de manifestação, enquanto o Catar mais parece um regime governado pelo emir e seus colaboradores mais próximos, como se fosse um conselho de administração.

E porque o direito de manifestação existe no Brasil, a presidente, Dilma Rousseff e a força política que a levou ao poder, o Partido Trabalhista (PT) têm sido particularmente visados nos protestos. Mas nem sempre com inteira razão, a avaliar pelo que escreveu, recentemente, o cantor Chico Buarque de Holanda:

«A VERDADE é que antes do PT chegar ao poder teve uma turma que ficou 500 anos mandando aqui no Brasil e esse país se tornou um paíseco de 5.º mundo. Entramos na década de 80 ainda sendo uma república das bananas, governados por ridículos generais sem voto, ditadores golpistas assassinos e ignorantes, que “preferiam cheiro de cavalo a cheiro de povo“. Aí finalmente vem um partido que faz o Brasil avançar, tira nossa coleira dos USA, da um pé no traseiro do FMI, alça o país a 6.ª economia do mundo fazendo o PIB saltar de 1 para mais de 2,4 trilhões em uma década, tira 50 milhões de brasileiros da pobreza, cria uma nova classe média de mais de 100 milhões com emprego, renda, carteira assinada e conta no banco... Enfim, avanços EXTRAORDINÁRIOS em uma década ! Mas a mídia, conservadora e recalcada, sabota e cria um clima de que estamos "a beira do abismo". E tem gente que vai na onda e não lembra do nosso passado medíocre...»

Mas há sempre quem não queira ver obra feita por um homem que, tendo sido operário metalúrgico, Lula da Silva, chegou a Presidente da República. E contra esse e a mulher que lhe sucedeu no cargo protestam uma burguesia endinheirada e um certo tipo de intelectuais pequeno-burgueses, como se viu na cerimónia de abertura do Mundial – o povão nunca seria convidado para a tribuna de honra e muito menos dinheiro para comprar bilhete para lugar próximo.

Os outros – trabalhadores, classe média, jovens universitários, etc, – protestam na rua. Infelizmente, tem havido também casos de desrespeito pela liberdade dos outros, acompanhados de actos de puro de vandalismo, que a polícia e as forças de segurança podem e devem reprimir. Porém, se é legítimo a Estado recorrer a um grande acontecimento desportivo para concentrar sobre ele as atenções do mundo, legítimo é também o povo fazer uso desse mesmo acontecimento para dar a conhecer igualmente ao mundo o protesto e a indignação.

Vem aí o futuro!

    O SNS vai melhorar, os médicos vão trabalhar menos e ganhar mais, os professores vão receber o atrasado, a TAP só vai dar lucro... O Pa...