terça-feira, 30 de agosto de 2016

Deixo aqui um recado e daqui lanço um alerta

Tempos houve em que os jornalistas sentiam orgulho e se esforçavam para corresponder a um slogan que exortava à leitura e visava inspirar confiança no leitor: Ler jornais é saber mais. Deixou de ser. Infelizmente. E parece que ninguém se importa. Vende mais quem se aproximar do pasquim. O que interessa é fofoca e maldizer. E, se vende mais, é porque há quem compre. Uma tristeza!

Com frequência preocupante, os narradores/comentadores de futebol falam do jogador como tendo necessidade de revelar proximidade e até relações de amizade, como o demonstra o uso do artigo definido antes do nome. «Vai agora entrar o Manel Joaquim por troca com o António Manuel» ou «que disparate acabou de fazer o Augusto Silva» e por aí adiante. Outras vezes, a gente chega a pensar que o nome é função. Dizem o Marcelo – assim mesmo, sem nome de família – quando deveriam dizer o Presidente da República. Desconhecem, seguramente, que o artigo definido antecede a função e que, formalmente, as declarações são importantes e justificam divulgação, por se tratar do Chefe do Estado, de um dirigente partidário ou desportivo, de um deputado ou de um médico, conforme o contexto, e não por terem proferidas por sicrano ou beltrano. Aliás, é até curioso verificar que algumas dessas pessoas, logo que deixam as funções, desaparecem, pura e simplesmente, do espaço mediático.

Outro exemplo desta enervante familiaridade é a entrevista em que o entrevistador trata por tu o entrevistado. Não há o mínimo de preocupação com a lei do distanciamento. E se se trata de entrevistar um futebolista, como Cristiano Ronaldo, nada como mostrar claramente que o jornalista faz parte do círculo mais próximo da estrela.

Mas voltemos aos disparates. Pelo que leio e oiço, já ninguém lança um alerta ou manda um recado. Agora, deixa. O verbo deixar adquiriu outro valor semântico e serve para tudo. Para recado, alerta, aviso, etc… Já o verbo pôr caiu no esquecimento. Colocar também serve para tudo. Já não se põe os pontos nos i, coloca-se. Qualquer dia, ainda vamos ouvir alguém dizer: olha que te coloco no olho da rua!

Preocupante é também verificar que tanta gente desconhece que desde é advérbio de tempo. Exemplos: «… vindo o criativo desde a faixa». Este excerto foi copiado de um diário desportivo, mas, com mais frequência se ouve nas televisões e nas rádios «desde Madrid… fulana de tal» ou «desde Luanda… sicrano» ou aquela outra forma, igualmente, disparatada, «a partir de Madrid, a partir do estádio do Dragão…», como se fosse preciso dar ideia de movimento, sempre que faz uma ligação ao exterior.

Desde é, nestes casos, um castelhanismo, como pontos percentuais são um anglicismo. Em Portugal, nas décimas, centésimas e milésimas usam-se vírgulas e não pontos. Os pontos são preciso, isso sim, nos ordinais, por exemplo (51.º) para que não apareçam com sentido errado, como se vê amiúde nos jornais e nos rodapés dos noticiários escritos de forma que a leitura sugere graus. Da temperatura ou dos ângulos. Por falar em ordinais, apetece-se ainda dizer que me vou convencendo de que muita gente nem sequer os sabe ler. Exemplo: fulano de tal é o 121 do ranking tal, em vez de centésimo vigésimo primeiro. E não me venham, por favor, com a treta de que é mais curto e inteligível…


A escrita, mas sobretudo o que se diz nas rádios e nas televisões, revelam bem, além da má preparação ou da preguiça de muitos profissionais, como somos pequeninhos e tacanhos. Fala-se como se estivéssemos no café à conversa com amigos e, na escrita, reproduzem-se os dislates com que diariamente nos ferem os ouvidos. Por isso mesmo, aqui deixo um recado – esforcem-se, aceitem humildemente as correcções de quem sabe mais – e lanço um alerta: a preguiça é má conselheira e enveredar pela via do lugar- comum e do facilitismo é o caminho mais rápida para a incompetência. 

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