quarta-feira, 1 de agosto de 2018

A febre dos directos

Quando o espectáculo (macabro) se sobrepõe à informação

Em Portugal, as televisões fazem directos por tudo e por nada. As mais das vezes para nada acrescentar ao que já se sabe. Por vezes, vê-se até que os repórteres de todos os canais estão separados por pouco mais de um metro, dizendo o mesmo com palavras diferentes. Há quem lhe chame jornalismo de matilha. A insistência na presença do repórter diante da câmara dá até a impressão de que eles devem pensar que a notícia são eles. De tal maneira, que, por regra, aparecem antes dos protagonistas do acontecimento ou de imagens do que supostamente está na origem do directo. E, depois, quantas vezes com um palavreado pobre e tosco, falam-nos do que vão mostrar e, como possamos não ter entendido, repetem-nos o que acabáramos de ver e ouvir. Outro exemplo da importância dada à visibilidade do jornalista é a saída para a rua para dizer duas ou três frases numa peça que pode ser ilustrada com imagens bem escolhidas e com recurso a voz off.

Quando o acontecimento é considerado importante – campeonatos da Europa ou do Mundo de futebol ou congressos de partidos, por exemplo – a coisa fia mais fino e, ao apresentador das notícias em estúdio, segue-se, por norma, mais um ou dois no local do acção, quase sempre um editor ou editora e quase sempre aperaltados como se fossem para um banquete de gala. Nos congressos, por exemplo, a presença do editor e/ou da editora deveria significar garantia de melhor conteúdo, mas quase sempre se constata que é, afinal, uma questão de forma. Para os conteúdos, estão lá comentadores convidados ou avençados. Para o resto do trabalho, há uns quantos ou umas quantas para acartar, como gosta de dizer o meu amigo, Zé Manuel Freitas. Que fazem o mesmo que os editores: perguntas aos políticos. Com uma diferença, editor e convidado estão sentados; os repórteres no terreno andam por ali a pé. Vejo isto e fico a pensar no que alguém me disse, não sei quem nem quando: em televisão a vedeta é sempre a notícia e nunca o repórter. Este só o é em caso de morte ou de situações de excepção como rapto, violência, etc..

Mas o directo não é um mal em si. O mal está em não se saber quando, em que condições e com quem fazê-lo. Dar vida a uma peça não é gritar, não é explorar dramas e tragédias e muito menos ampliar histerias. O repórter de imagem deve saber escolher ângulos e o jornalista deve ter a preparação e a experiência necessárias para agarrar o telespectador pela forma segura e serena com que vai veiculando a informação. E nem sequer tem de estar diante da câmara. Quando muito, aparece no final, para se despedir. De outro modo, se faltar este grau de exigência o directo só pode gerar mau jornalismo, acima de tudo porque torna o jornalista descuidado, pouco exigente e pouco ou nada rigoroso na acção e na palavra e faz com o que o espectáculo se sobreponha à informação. 

Será que as chefias não têm disso uma noção exacta? A avaliar pelo número de jovens que atiram para a fogueira, parece que não.


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