quarta-feira, 25 de junho de 2014

Mundial de Futebol: A força da «continentalidade» e do sentimento de pertença

A participação da selecção portuguesas no Mundial de futebol está a ser escrutinada pelos órgão de informação e ainda bem. Desde logo, e não sei se todos estão a pensar nisso, também porque a Federação Portuguesa de Futebol é uma instituição com estatuto de Utilidade Pública reconhecido.

Custa-me, contudo, agora que o saldo dos dois primeiros jogos é francamente negativo, tanto em termos de resultados como no plano exibicional, ver que algumas das facas mais afiadas apontadas a Paulo Bento e ao staff da FPF estejam a ser esgrimidas por quem, antes do pontapé de saída, não ousou alertar precisamente para os males que agora enumera: má escolha do local para estágio/concentração; falta de cuidado na preparação, tendo em conta as condições e temperatura e humidade nos locais dos jogos; sobrecarga de jogos; atitude pouco séria dos jogadores, se ludibriaram o seleccionador quanto a lesões e probabilidades de recidiva, etc, etc...

Gostaria, porém, de apontar outros motivos que poderão ter conduzido a selecção à situação em que se encontra, de desencanto e desespero. Os comportamento de Pepe e de João Pereira, logo no primeiro jogo, sugerem-me antes falta de preparação psicológica para superar a pressão de um jogo inaugural, sabendo, como se sabe, que ele é por demais importante num torneio deste tipo, com uma fase de grupos destinada a apurar as equipas que disputarão, a seguir, os jogos a eliminar até ao da final. Um e outro caíram que nem patinhos nas esparrelas criadas pelo adversário. Tanto assim que já vi na televisão alemã ser reconhecida, e até condenada, a atitude de Thomas Müller, por ter simulado algo de grave, ludibriando o árbitro; e vi também ser reconhecido que, não tivesse sido o penalty (discutível) e a expulsão de Pepe, certamente, estaria agora a Nationalmannschaft e os seus responsáveis sob o fogo da crítica.

O que por lá se tem dito é que a Alemanha teria, mesmo assim, muito provavelmente, ganho o jogo, mas não por goleada. E isto faz alguma diferença. O derrotado deixou o campo vergado ao pesso de expressiva derrota, mas, curiosamente, o vencedor não foi capaz de se empolgar perante uma afoita selecção dos Estados Unidos. Pelo contrário, acabou até por ceder um empate e revelar também jogadores com sinais de fadiga.

Acredito que a escolha dos locais de estágio e de concentração poderiam/deveriam ter sido alvo de observação e ponderação mais cuidada, que Paulo Bento «encarregou-se de dar sinais errados aos jogadores na fase de qualificação e na convocatória», como escreveu Pedro Adão e Silva, na edição de terça-feira de Record, salientando: «a preservação do grupo como ideia de força do selecionador redundou num conservadorismo desprovido de sentido» e acredito também que pode ter havido jogadores que deram igualmente sinais errados ao seleccionador quanto ao seu estado de forma e de saúde física.

Contudo, já duvido do argumento de excesso de jogos dos futebolistas europeus como justificação para actuações menos bem conseguidas, sobretudo por falta de frescura física. Atente-se em algumas equipas latino-americanas e veja-se quantos dos seus jogadores jogam também em clubes europeus, dos quais um número significativo em equipas de topo e que disputam as competições da UEFA até fase bem próximas das finais da Liga dos Campeões e da Liga Europa.

Não duvido, pelo menos inteiramente, nem subestimo o peso dos argumentos que têm sido invocados para justificar as fracas exibições da selecção portuguesas e de outras congéneres europeias, mas, face às exibições e ao rendimentos de algumas exibições latino-americanas – desde logo, da Costa Rica, mas também do Equador e do Uruguai – sou levado a acreditar na força daquilo a que Vitor Santos apelidava de «continentalidade», incluindo aí ambiente, apoio do público, fusos horários, etc, e a que eu junto algo mais: o sentimento de pertença e o orgulho nacional, que o futebol exponencia como poucos outros fenómenos. O desejo de afirmação ante os olhares do mundo tem levado algumas destas equipa a superar medos e preconceitos e a aprendizagem feitas por muitos dos seus melhores jogadores em equipas europeias, sobretudo em domínios como disciplina táctica e princípios de jogo, tem contribuído decisivamente para melhores perfomances exibicionais e de resultados. Será que as selecções nacionais das velhas nações europeias estão, também, a revelar um certo estado de acomodamento e ou de frustração e resignação que por aqui se vive antes sociedades que evidenciam cada vez mais dinamismo e a já referida vontade de afirmação.

... Ora precisamente esse desejo tem estado bem patente numa certa forma agressiva de jogar, na hora de desarmar o adversário e no momento de partir para o ataque ou de desencadear um contra-ataque. E eu pergunto: não estaremos perante um novo estilo? E não voltará o modelo táctico de três centrais e dois laterais bem ofensivos a estar na ordem do dia? Se a Dinamarca beneficiou em 1992 do facto de a esmagadora maioria dos futebolistas que integravam a sua selecção de então jogar no estrangeiro e sagrou-se campeão da Europa, contrariando expectativas e previsões, por que motivo não há-de o novo campeão do Mundo voltar a ser latino-americano? E até pode nem ser o Brasil, cuja selecção também ainda não convenceu. Mas, pelo que já se viu até agora, Holanda, França e Alemanha também entram nesta lista.

Fora delas, porém, mesmo que, dentro de algumas horas vença o Gana por margem que lhe permita passar aos oitavos-de-final, está, a meu ver, a selecção portuguesa. Como disse Cristiano Ronaldo, após o jogo com os Estados Unidos, não é uma equipa de topo. Só é pena, porém, não ter dito isso, antes da partida com a Alemanha, quando até sugeriu que este poderia ser o Mundial de Portugal. Não foi nem vai ser.
Oxalá eu me engane.

sexta-feira, 20 de junho de 2014

Acerca do protestos no Mundial do Brasil

À organização dos Jogos Olímpicos concorrem os comités nacionais e eles são atribuídos a uma cidade; aos campeonatos continentais de futebol e do mundo candidatam-se as federações filiadas nas organizações do respectivo continente e na FIFA e são atribuídos por norma a um país ou pelo menos eram. Já se realizaram europeus na Holanda e na Bélgica, na Suíça e na Áustria, na Polónia e na Ucrânia e também um Mundial no Japão e na Coreia do Sul.

Em qualquer dos casos, comités olímpicos e federações precisam do apoio dos repectivos Estados e, hoje mais do que nunca, até são quase sempre eles que incentivam as candidaturas. Veja-se o Catar, minúsculo Estado do Golfo com 1 milhões e 950 mil habitantes que tem ambição de potência na região, graças à sua riqueza em gás natural: a terceira reserva mundial, depois da Rússia e do Irão. Uma riqueza que lhe permite assegurar o bem-estar da sua população durante séculos, bem como os investimentos que vem fazendo, dentro e fora do país, em todos os sectores, incluindo a Saúde, a Educação e o Desporto, mas também numa poderosa máquina de propaganda. É lá que está instalada a cadeia mundial de televisão Al Jazira. De facto, que mais poderia querer este Estado para se mostrar ao mundo do que organizar um Campeonato do Mundo de Futebol?

O desporto assume, hoje, papel de destaque cada vez maior nas sociedades modernas e, na viragem do século, transformou-se mesmo em entretenimento por excelência, tendo o futebol alcançado o expoente máximo de popularidade, bem como de projecção e força mediáticas. Impressionante é, sem dúvida, a disseminação do futebol no mundo. De 1904, ano da fundação da FIFA (organização dirigente do futebol internacional), o número de federações nela filiadas passou das sete fundadoras (Bélgica, Dinamarca, França, Holanda, Espanha, Suécia e Suíça) para 207, em 2005, isto é, mais 16 do que os membros da Organização das Nações Unidas (ONU): 191. O Comité Olímpico Internacional tem 203 membros.

O sol nunca se põe no reino do futebol. O seu território é actualmente mais vasto do que império dominado pela super-potência americana e é menos abertamente contestado por aqueles sobre os quais recai o seu domínio, sustenta o director do Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas (IRIS), de Paris, e antigo conselheiro de Koffi Annan, enquanto secretário-geral da ONU, Pascal Boniface, para quem o futebol é um dos raros fenómenos da mundialização que escapa à dominação americana.

Se o minúsculo Estado Catar ousou candidatar-se, por que não poderia tê-lo feito também o imenso Brasil, um dos Estados emergentes? Fê-lo e ganhou a candidatura, como vencera também a candidatura à organização dos Jogos Olímpicos de 2018, no Rio de Janeiro. Contudo, tanto o Catar como o Brasil têm estado debaixo de forte fogo da crítica. Num e noutro casos, por causa de suspeitas de corupção. O Catar, por causa das suspeitas sobre o modo como foi obtida a vitória na candidatura, mas também pelas suspeitas e acusações de exploração de mão-de-obra e enormes deficiências na protecção e segurança no trabalho, que já originou milhares de perdas de vidas humanas, enquanto no Brasil a construção dos estádios e de outras infra-estrutiuras também não escaparam à suspeita e à acusação de corrupção.

Mas se o Emir do Catar, Hamad bin Khalifa al-Thani tem conseguido conter o mínimo sinal de protesto, já no Brasil as manifestações de protesto de uma população que reivindica melhores condições de vida e de trabalho têm estado na ordem do dia, mesmo antes da inauguração do grande acontecimento desportivo. Desde logo, devido a uma grande diferença: o Brasil é uma democracia que reconhece o direito de manifestação, enquanto o Catar mais parece um regime governado pelo emir e seus colaboradores mais próximos, como se fosse um conselho de administração.

E porque o direito de manifestação existe no Brasil, a presidente, Dilma Rousseff e a força política que a levou ao poder, o Partido Trabalhista (PT) têm sido particularmente visados nos protestos. Mas nem sempre com inteira razão, a avaliar pelo que escreveu, recentemente, o cantor Chico Buarque de Holanda:

«A VERDADE é que antes do PT chegar ao poder teve uma turma que ficou 500 anos mandando aqui no Brasil e esse país se tornou um paíseco de 5.º mundo. Entramos na década de 80 ainda sendo uma república das bananas, governados por ridículos generais sem voto, ditadores golpistas assassinos e ignorantes, que “preferiam cheiro de cavalo a cheiro de povo“. Aí finalmente vem um partido que faz o Brasil avançar, tira nossa coleira dos USA, da um pé no traseiro do FMI, alça o país a 6.ª economia do mundo fazendo o PIB saltar de 1 para mais de 2,4 trilhões em uma década, tira 50 milhões de brasileiros da pobreza, cria uma nova classe média de mais de 100 milhões com emprego, renda, carteira assinada e conta no banco... Enfim, avanços EXTRAORDINÁRIOS em uma década ! Mas a mídia, conservadora e recalcada, sabota e cria um clima de que estamos "a beira do abismo". E tem gente que vai na onda e não lembra do nosso passado medíocre...»

Mas há sempre quem não queira ver obra feita por um homem que, tendo sido operário metalúrgico, Lula da Silva, chegou a Presidente da República. E contra esse e a mulher que lhe sucedeu no cargo protestam uma burguesia endinheirada e um certo tipo de intelectuais pequeno-burgueses, como se viu na cerimónia de abertura do Mundial – o povão nunca seria convidado para a tribuna de honra e muito menos dinheiro para comprar bilhete para lugar próximo.

Os outros – trabalhadores, classe média, jovens universitários, etc, – protestam na rua. Infelizmente, tem havido também casos de desrespeito pela liberdade dos outros, acompanhados de actos de puro de vandalismo, que a polícia e as forças de segurança podem e devem reprimir. Porém, se é legítimo a Estado recorrer a um grande acontecimento desportivo para concentrar sobre ele as atenções do mundo, legítimo é também o povo fazer uso desse mesmo acontecimento para dar a conhecer igualmente ao mundo o protesto e a indignação.

Vem aí o futuro!

    O SNS vai melhorar, os médicos vão trabalhar menos e ganhar mais, os professores vão receber o atrasado, a TAP só vai dar lucro... O Pa...