quinta-feira, 21 de agosto de 2014

A propósito da decapitação de James Foley

O grupo Estado Islâmico (EI) recorreu às redes sociais para divulgar a decapitação do jornalista dos Estados Unidos, James Foley. Um acto criminoso, horrendo, primário e seu lá que mais. Inqualificável... Que outros adjectivos podem sem aplicados? Tantos!

Houve órgãos de informação em todo o mundo que publicaram fotos e/ou frames do vídeo. Outros ficaram-se pela fotos, muitos deles aquela onde ele aparece de veste cor de laranja e cabelo rapado, tendo por trás um militante do EI, que o agarra com a mão direita e ostenta a faca na esquerda, dirigindo-se ao presidente dos EUA, Barack Obama, antes de executar uma vítima inocente, a quem a veste cor de laranja e o cabelo rapado lhe retiram até o direito à auto-estima e à dignidade.

Vi a foto, mas recuso-me a ver o vídeo, este e outros que têm sido divulgados nas redes sociais, em operações de macabra propaganda de grupos terroristas e de gente sem pingo de escrúpulo, para quem a vida humana nada vale.

... E questiono-me se devem os órgãos de informação divulgar tais imagens (fotografias e/ou vídeos?). Entendo que não, mas estou seguro de que não falta quem pense o contrário. E defenda, até, que não divulgá-las cai no campo da censura.

O Twitter fez saber que tem eliminado essas fotos/vídeos, bem como todos aqueles que recorrem a esta rede social para divulgá-las, mas, mesmo assim, o que este caso revela, tal como outros anteriores, e os que virão é prova que a ausência de filtros tudo permite nelas. Incluindo, claro, o que há de mais brutal, inqualificável e condenável.

Tenho, para mim, que os media que divulgam tais imagens, divorciando-se do respeito pela ética social, tal como o jornalistas do respeito pela deontologia da profissão, passam a ser co-responsáveis pela banalização da violência, do crime e do terrorismo. E, contudo, é também legítimo admitir que, se cidadãos e órgãos de informação impusessem a eles próprios limitações à liberdade de informação, isso significaria também uma vitória para os terroristas.

Mesmo assim, e reconhecendo embora que a guerra tem outras imagens violentas – porque a guerra é violência – continuo a pensar que, em casos como este, sejam as vítimas cidadãos dos Estados Unidos ou da Síria, de Israel ou da Palestina, portugueses ou chineses, jornalistas ou religiosos, voluntários de causas humanitárias ou homens de negócios, é urgente e imperioso que os jornalistas e os media não se deixem levar pela vertigem da comunicação e pensem sempre na informação jornalística, que não são necessariamente a mesma coisa. Desde logo, porque o que importa é fazer com que fique na memória de todos o trabalho de James Foley, neste caso, como de outros antes dele e dos que, infelizmente, lhe sucederão, e não os criminosos actos de terroristas.

Uma sociedade mal-formada será sempre pouco exigente com a informação jornalística, se é que não a despreza mesmo. E divulgar fotos e vídeos como estes não vai melhorar a consciência do cidadão nem a sociedade. Desde logo, porque também não é com recurso às armas que poderá ser posto fim a este terrorismo informativo.

terça-feira, 19 de agosto de 2014

Maturidade

Estou a acabar de ler o livro Somos o Esquecimento que Seremos, do colombiano Héctor Abad Facioline, e um excerto que reproduz de outro livro (Cartas desde Asia, escrito pelo pai dele, médico e professor universitário assassinado pelos paramilitares em 1987), ficou a martelar-me na cabeça. O que ele escreveu, então, referindo-se ao ensino, tem, a meu ver, aplicação em quase tudo na vida.

«Que enorme quantidade de erros cometemos todos os que, como eu, pretendemos ensinar sem ter alcançado ainda a maturidade do espírito e a tranquilidade de juízo que as experiências e os maiores conhecimentos nos vão dando no fim da vida. O mero conhecimento não é sabedoria. A sabedoria sozinha também não basta. É necessário ter-se conhecimento, sabedoria e bondade para ensinar outros homens. O que temos de fazer, aqueles que alguma vez fomos mestres sem primeiro sermos sábios, é pedir humildemente perdão aos nossos discípulos pelo mal que lhe fizemos».

Lendo isto, de imediato pensei nas mulheres e homens que estão no governo, mas também penso na realidade da profissão de jornalista e do ambiente em muitas redacções. Até porque esta reflexão é associada pelo autor ao despedimento do pai, a dois anos da idade da reforma, só porque era incómodo, sobretudo perante a injustiça e a incompetência.

Diz o filho, o autor do livro:
«E agora, precisamente quando sentia que estava a atingir essa etapa da sua vida, quando já a vaidade não o influenciava nem as ambições tinham demasiado peso e se guiava menos pela paixão e pelos sentimentos e mais por uma racionalidade construída com muitas dificuldades, mandavam-no para a rua.»

Que paralelismo arrepiante com a realidade neoliberal dos nossos dias.


Vem aí o futuro!

    O SNS vai melhorar, os médicos vão trabalhar menos e ganhar mais, os professores vão receber o atrasado, a TAP só vai dar lucro... O Pa...